'Órfãos do feminicídio': assassinatos deixaram 39 crianças e jovens sem mãe no DF em 2025
Segundo Secretaria de Segurança, todas 11 vítimas deste ano eram mães. 'Trauma profundo pode comprometer desenvolvimento emocional, escolar e social', alerta...

Segundo Secretaria de Segurança, todas 11 vítimas deste ano eram mães. 'Trauma profundo pode comprometer desenvolvimento emocional, escolar e social', alertam especialistas. Imagem ilustrativa de violência doméstica Getty Imagens O feminicídio vai muito além das estatísticas e transforma a vida de quem fica. No Distrito Federal, todas as 11 mulheres assassinadas por motivo de gênero nos primeiros cinco meses de 2025 eram mães. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp. O crime deixou 39 órfãos, sendo 35 menores de idade, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF). Entre os filhos, há desde bebês com poucos meses até jovens adultos. O trauma sofrido por esses órfãos pode comprometer o desenvolvimento emocional, escolar e social, alertam especialistas (saiba mais abaixo). Na última década – entre março de 2015 e abril de 2925 –, 421 pessoas ficaram órfãs em decorrência de feminicídios no DF. O levantamento é da Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios (CTMHF), que aponta ainda que desse total, 175 eram menores de idade. O peso emocional da perda Especialistas ouvidos pelo g1 alertam que os órfãos do feminicídio enfrentam traumas profundos e ficam marcados ao longo da vida. “Além de perder sua figura principal de vínculo e segurança, isso vem acompanhado de violência extrema e geralmente de dentro do ambiente familiar, rompendo completamente seu senso de pertencimento e de confiança no mundo”, diz Priscila Xavier, especialista em prevenção de traumas na infância. A médica pediatra acrescenta que, segundo a neurociência, crianças expostas a traumas graves dentro do próprio ambiente desenvolvem um estado de hipervigilância constante. Isso prejudica a concentração, a aprendizagem, a autorregulação emocional, o desenvolvimento afetivo e a socialização. Luto complexo e confuso O que é feminicídio? Para o mestrando em psicologia clínica e cultura da Universidade de Brasília (UnB), Erick Fontenele, o processo de luto dessas crianças tende a ser difícil e prolongado, especialmente quando o autor do feminicídio é o pai. "A criança perde a mãe e, de certa forma, o pai também – seja porque ele foi preso, fugiu ou cometeu suicídio após o crime", diz o psicólogo. Dos 11 casos de feminicídio registrados no Distrito Federal em 2025, oito autores foram presos e um cometeu suicídio após o crime. O psicólogo explica que esse contexto gera confusão emocional intensa: Raiva do pai pelo ato cometido Tristeza profunda pela mãe que se foi E também culpa "Algumas crianças pequenas podem, erroneamente, se culpar por não terem conseguido impedir a tragédia ou por amarem o pai agressor apesar de tudo", afirma Fontenele. Além disso, essas crianças lidam com mudanças drásticas: podem ser acolhidas por outros familiares ou por instituições, perdendo não só os pais, mas também o lar, amigos e a comunidade onde viviam. “O luto é marcado por revolta e perguntas sem resposta. É essencial que essas crianças recebam apoio psicológico para expressar a dor, trabalhar a raiva e desfazer crenças de culpa indevida”, recomenda o psicólogo. Programa Acolher Eles e Elas Órfãos de vítimas de feminicídio têm direito a auxílios do governo Para reduzir os impactos do trauma, Priscila Xavier reforça a importância da família e de outros cuidadores. "Essa criança, em alguns casos, pode escolher o silêncio e até fugir do que vivenciou pela dor que tudo isso causa. Por isso, deve ser muito bem acompanhada por profissionais com abordagem informada em trauma, que saibam atuar da forma correta sem potencializar os danos já causados", diz a especialista. Ela destaca ainda a necessidade de ações urgentes por parte do Estado e da sociedade. "As políticas públicas devem atuar de diferentes formas: no acolhimento direto dessa criança, através do encaminhamento para cuidadores de confiança ou abrigos para crianças órfãs vítimas de feminicídio, garantindo que ela estará em um ambiente confiável e seguro", afirma. Para tentar amenizar parte das consequências do trauma, o governo do Distrito Federal criou o Programa Acolher Eles e Elas, que oferece assistência financeira e acompanhamento psicossocial. 🔎Cada órfão tem direito a um salário mínimo mensal e atendimento contínuo com psicólogos, assistentes sociais e pedagogos. Em 2025, apesar de haver 39 órfãos do feminicídio em Brasília, apenas 12 crianças e adolescentes foram cadastradas no programa. Desde a criação, são 172 beneficiários cadastrados. A Secretaria da Mulher, responsável pelo programa, faz a busca ativa dos órfãos. No entanto, diz que muitas vezes não consegue localizar as famílias ou convencê-las a aderir ao benefício. Para ter acesso ao benefício, é preciso cumprir os seguintes requisitos: Ter ficado órfão em decorrência do feminicídio; Ser menor de 18 anos ou estar em situação de vulnerabilidade até os 21 anos; Residir no DF por, no mínimo, dois anos; Comprovar situação de vulnerabilidade econômica; Não há necessidade de advogado. Documentos exigidos 📃 Boletim de ocorrência do caso; Comprovante de residência; Comprovante do vínculo com o órfão; Documentos pessoais do órfão e do responsável; Formulário de vulnerabilidade entregue pela Secretaria da Mulher; As famílias devem entrar em contato pelos números: (61) 3330-3118 e (61) 3330-3105 para outras orientações. Mulheres vítimas de feminicídio em 2025 no Distrito Federal Violência contra mulher: como pedir ajuda 5 de janeiro: Ana Moura Virtuoso, na Estrutural; 15 de janeiro: Elaine da Silva Rodrigues, em Planaltina; 24 de fevereiro: Géssica Moreira de Sousa, em Planaltina; 26 de fevereiro: Ana Rosa Brandão, no Cruzeiro; 29 de março: Dayane Barbosa, na Fercal; 31 de março: Maria José Ferreira, no Recanto das Emas; 1º de abril: Marcela Rocha Alencar, no Paranoá; 9 de abril: vítima ainda não identificada, no Park Way (em investigação); 19 de abril: Valdete Silva Barros, no Sol Nascente; 18 de maio: Vanessa da Conceição Gomes, em Samambaia; 19 de maio: Liliane Cristina Silva de Carvalho, em Ceilândia. Um feminicídio segue em investigação no DF A Polícia Civil do Distrito Federal investiga a morte de uma mulher encontrada perto de um córrego no Setor de Mansões Park Way, em Brasília, no dia 9 de abril. A vítima estava com um fio amarrado no pescoço. Dois casos de feminicídio foram descartados Dois casos foram descartados pela Polícia como feminicídio. O primeiro foi a morte de Gilvana de Sousa, de 46 anos, encontrada em uma região de mata entre Taguatinga e Samambaia. No inicio da investigação, a suspeita era que ela teria sido atingida por uma pedra, ou agredida com pauladas, durante a madrugada. No entanto, segundo a Polícia Civil, a investigação apontou para "eventual morte natural, não subsistindo, até o momento, indícios de morte violenta, muito menos feminicídio". O assassinato de Rosimeire Gomes Tavares, de 51 anos, também começou a ser investigado como feminicídio, mas teve a tipificação alterada para homicídio. De acordo com as investigações, o crime foi motivado por constantes brigas entre dois suspeitos e a vítima, que eram vizinhos na Cidade Ocidental, em Goiás. Onde denunciar? Pelo número 129 da Central de Atendimento da Defensoria Pública — com dígito exclusivo para atendimento de mulheres em situação de violência; Os Centros de Referência da Mulher dão suporte psicológico, orientação jurídica e acolhimento em uma delegacia de polícia, de preferência nas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam); Pelo número 190 da Polícia Militar em caso de emergência; Pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil; Pelo site da Ouvidora Nacional dos Direitos Humanos, do Governo Federal; Pelo número 180, que é gratuito. LEIA TAMBÉM: VÍDEO: professor e aluno trocam socos após discussão em escola pública do DF GAMA: aluna de 12 anos recebe ameaças em escola do DF Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.